domingo, 22 de abril de 2007

PROJETO DE LEI DO SENADO 31/2007

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2007.

(Do Sr. Fernando Collor e outros)

Institui o Sistema Parlamentar de Governo e dá outras providências.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3o do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. O caput e o § 1º do art. 61 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação

"Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente do Conselho de Ministros, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente do Conselho de Ministros as leis que:

.............................................................................................................." (NR).

Art. 2º O caput e o § 1º do art. 62 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 62. Nos termos do art. 88-C, inciso XII, o Presidente do Conselho de Ministros poderá editar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las, de imediato, ao Congresso Nacional.

§ 1o É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I - relativa a planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3o.

II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro.

III - reservada à lei complementar." (NR)

Art. 3o Os arts. 76 a 88 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República e pelo Conselho de Ministros, cabendo a este a direção e a responsabilidade da política do Governo, assim como da Administração Federal." (NR)

Seção II

Do Presidente da República

"Art. 77. A eleição do Presidente da República realizar-se-á no ano anterior ao término do mandato presidencial vigente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e se houver segundo turno, no último domingo do mesmo mês.

§ 1o Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver maioria absoluta de votos, não computados os brancos e os nulos.

§ 2o Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos.

§ 3o Se, antes de realizado o segundo turno, ocorrer morte, desistência ou impedimento legal de candidato, convocar-se-á, dentre os remanescentes, o de maior votação.

§ 4o Se, na hipótese dos parágrafos anteriores, remanescer, em segundo lugar, mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso." (NR)

"Art. 78. O Presidente da República tomará posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.

Parágrafo único. Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago." (NR)

"Art. 79. Em caso de impedimento do Presidente da República, ou vacância do cargo, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência, o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal." (NR)

"Art. 80. Vagando o cargo de Presidente, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a vaga.

§ 1o Se a vaga ocorrer nos dois últimos anos do período presidencial, a eleição será feita trinta dias depois pelo Congresso Nacional.

§ 2o Em ambos os casos, o eleito deverá completar o período de seu antecessor." (NR)

"Art. 81. O mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início no dia 31 de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição." (NR)

"Art. 82. O Presidente da República não poderá, sem licença do Congresso Nacional, ausentar-se do país por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo." (NR)

Seção III

Das Atribuições do Presidente da República

"Art. 83. Compete privativamente ao Presidente da República:

I - nomear o Presidente do Conselho de Ministros e, por indicação deste, os demais ministros de Estado e exonerá-los quando a Câmara dos Deputados lhes retirar a confiança;

II - presidir as reuniões do Conselho de Ministros, quando julgar conveniente;

III - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, ouvido o Presidente do Conselho de Ministros;

IV - vetar, total ou parcialmente, nos termos da Constituição, os projetos de lei aprovados pelo Congresso;

V - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VI - celebrar tratados e convenções internacionais, "ad referendum" do Congresso Nacional;

VII - declarar a guerra, depois de autorizado pelo Congresso Nacional ou sem essa autorização, no caso de agressão estrangeira verificada no intervalo das sessões legislativas;

VIII - celebrar a paz, com autorização do Congresso Nacional;

IX - permitir, depois de autorizado pelo Congresso Nacional, ou sem essa autorização no intervalo das sessões legislativas, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional, ou, por motivo de guerra, nele permaneçam temporariamente;

X - exercer o comando das forças armadas e, por proposta do Presidente do Conselho de Ministros, nomear os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhe são privativos;

XI - conceder indultos e comutar penas, com audiência dos órgãos instituídos em lei;

XII - prover, na forma da lei e com as ressalvas constitucionais, os cargos públicos federais;

XIII - outorgar condecorações ou outras distinções honoríficas a estrangeiros, concedidas na forma da lei;

XIV - dispor por decreto, mediante proposta do Presidente do Conselho de Ministros, sobre:

  1. organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar em aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
  2. extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

XV - decretar, mediante proposta do Presidente do Conselho de Ministros, o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal, nos termos da lei;

XVI - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores dos Territórios Federais, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do Banco Central, e outros servidores, quando determinado em lei;

XVII - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União;

XVIII - nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição e, por indicação do Presidente do Conselho de Ministros, o Advogado Geral da União e o Controlador-Geral da União;

XIX - nomear os membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;

XX - convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional;

XXI - decretar a dissolução da Câmara dos Deputados, nas hipóteses previstas nos §§ 5º e 8º do art. 87;

XXII - exercer outras atribuições previstas na Constituição.

Parágrafo único. O disposto no inciso XXI não se aplicará nos últimos cento e oitentas dias do mandato presidencial." (NR)

Seção IV

Da Responsabilidade do Presidente da República

"Art. 84. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal, e especialmente contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício dos demais Poderes da União e das Unidades da Federação e do Ministério Público;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade da administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas do processo e julgamento, assegurado amplo e irrestrito direito de defesa." (NR)

"Art. 85. Admitida a acusação contra o Presidente da República por dois terços da Câmara dos Deputados, em votação secreta, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

§ 1o O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime, pelo Supremo Tribunal Federal;

II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

§ 2o Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.

§ 3o Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão." (NR)

"Art. 86. O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de sua função." (NR)

Seção V

Do Conselho de Ministros

"Art. 87. O Conselho de Ministros responde coletivamente perante a Câmara dos Deputados pela política do Governo e pela Administração Federal, e cada Ministro, individualmente, pelos atos que praticar no exercício de suas funções.

§ 1o À exceção do previsto nos incisos I, II, X, XIII, XX e XXI do art. 83, todos os atos do Presidente da República devem ser referendados pelo Presidente do Conselho e pelo Ministro competente, como condição de sua validade.

§ 2o O Presidente do Conselho de Ministros deverá ter idade mínima de trinta e cinco anos e terá a designação de Primeiro-Ministro.

§ 3º O Presidente do Conselho de Ministros será escolhido pelo Presidente da República e submetido à aprovação da maioria absoluta da Câmara dos Deputados que decidirá sobre sua aceitação, o respectivo plano de governo e os nomes que comporão o Conselho de Ministros no prazo de 48 horas, em turno único, por voto secreto.

§ 4º Não obtendo a aprovação da maioria absoluta da Câmara, caberá ao Presidente da República a indicação, no prazo de três dias, de outro nome de sua preferência para o mesmo cargo.

§ 5º Recusada a aprovação, o Presidente da República deverá, em igual prazo, apresentar outro nome; se também este for recusado, o Presidente da República dissolverá a Câmara dos Deputados, convocando novas eleições que se realizarão no prazo máximo de 90 (noventa) dias.

§ 6º Em caso de renúncia do Presidente do Conselho de Ministros, proceder-se-á na forma do disposto nos parágrafos anteriores.

§ 7º A moção de desconfiança em face do Conselho de Ministros só poderá ser apresentada se subscrita por, no mínimo, trinta por cento dos integrantes da Câmara dos Deputados e for acompanhada de proposta da composição de um novo Conselho e do respectivo programa de Governo que, aprovados pela maioria absoluta da Casa, ensejarão a substituição do Conselho.

§ 8º Verificada a impossibilidade da manutenção do Conselho de Ministros por falta de apoio parlamentar, comprovada em moções de desconfiança aprovadas, consecutivamente, em face de três Conselhos, o Presidente da Republica poderá dissolver a Câmara dos Deputados, convocando novas eleições que se realizarão no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a que poderão concorrer os parlamentares que hajam integrado os Conselhos dissolvidos.

§ 9º A Câmara dos Deputados dissolvida, nos termos dos §§ 5º e 8º, permanecerá no exercício de suas funções até a posse dos novos deputados federais eleitos.

§ 10. A rejeição de medida provisória, por maioria absoluta da Câmara, importará na exoneração dos membros do Conselho de Ministros." (NR)

"Art. 88. Ressalvado o disposto no art. 87, § 2º, o Conselho de Ministros será integrado por Ministros de Estado escolhidos entre cidadãos maiores de vinte e um anos, que estejam no gozo dos direitos políticos.

§ 1º O Conselho de Ministros decide por maioria de votos, prevalecendo, em caso de empate, o voto do Presidente do Conselho.

§ 2º O Presidente do Conselho e os Ministros podem participar das discussões, em qualquer das Casas do Congresso e em suas comissões técnicas.

§ 3º Em cada Ministério haverá um Vice-Ministro nomeado pelo Ministro e aprovado pelo Conselho de Ministros.

§ 4º Os Vice-Ministros poderão comparecer a qualquer das Casas do Congresso Nacional ou a suas comissões técnicas, como representantes dos respectivos Ministros.

§ 5º Exonerado o Conselho de Ministros, e enquanto não se constituir o novo, os Vice-Ministros responderão pelo expediente das respectivas pastas." (NR)

Art. 4º A Constituição Federal passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 88-A, 88-B e 88-C:

"Art. 88-A. Ao Presidente do Conselho de Ministros compete:

I - indicar ao Presidente da República, nos termos do art. 83, inciso I, os nomes dos Ministros que devam integrar o Conselho de Ministros;

II - propor ao Presidente da República, a sanção ou veto dos projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional;

III - propor ao Presidente da República os nomes dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e dos oficiais-generais que devam ser promovidos e indicar os que devam ser nomeados para os cargos que lhe são privativos;

IV - propor ao Presidente da República os decretos que disponham sobre organização e funcionamento da administração federal, observado o disposto no art. 83, inciso XV, alínea "a" da Constituição;

V - propor ao Presidente da República a extinção de funções e cargos públicos, quando vagos;

VI - propor ao Presidente da República, o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal, nos termos da lei;

VII - indicar ao Presidente da República o Advogado Geral e o Controlador Geral da União;

VIII - tomar a iniciativa dos projetos de lei do Governo que devam ser submetidos à apreciação e aprovação do Congresso Nacional;

IX - exercer o poder regulamentar;

X - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstas na Constituição;

XI - propor ao Presidente da República o provimento e a extinção dos cargos públicos na forma da lei;

XII - editar medidas provisórias com força da lei, nos casos de urgência e relevância que disponham sobre segurança nacional, segurança pública, finanças públicas e nas calamidades públicas que requeiram medidas inadiáveis;

XIII - prestar anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior." (NR)

"Art. 88-B. O Presidente do Conselho poderá assumir a direção de qualquer Ministério." (NR)

"Art. 88-C. Compete ao Conselho de Ministros:

I - opinar sobre as questões encaminhadas pelo Presidente da República;

II - examinar as questões suscitadas pelo Presidente do Conselho de Ministros ou pelos Ministros de Estado;

III - elaborar programa de governo e apreciar a matéria referente à sua execução;

IV - elaborar o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstas na Constituição;

V - deliberar sobre as questões que afetem a competência de mais de um Ministério." (NR)

Art. 5º Fica extinto o cargo de Vice-Presidente da República.

Art. 6º Os Estados decidirão sobre a adoção do sistema parlamentarista em seus respectivos territórios, observados os princípios desta Constituição.

Art. 7º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte artigo 95:

"Art. 95. No período compreendido entre 1º de janeiro e 30 de janeiro do ano da posse do primeiro Presidente da República eleito sob a vigência do sistema parlamentarista de governo, exercerá o cargo de Presidente da República o Presidente da Câmara dos Deputados e, em seus impedimentos, os Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, sucessivamente". (NR)

Art. 8º Esta Emenda entrará em vigor a partir da vigência do mandato presidencial subseqüente à sua promulgação.

Parágrafo único. O Congresso Nacional não promulgará esta Emenda entre o início do processo eleitoral para o cargo de Presidente da República e a posse do candidato eleito no respectivo pleito.

JUSTIFICAÇÃO

I - MAIS UMA EMENDA PARLAMENTARISTA?

Que fatos ou circunstâncias justificariam mais uma proposta de mudança constitucional, com o objetivo de implantar o sistema parlamentarista de governo, depois de mais de um século de vigência do presidencialismo entre nós? Simples desejo de mudar a forma, mantendo o conteúdo de nossa organização política, ou uma tentativa de buscar saídas para problemas e desafios cuja solução não depende do sistema de governo? A indagação é tanto mais procedente, quando se tem em vista a circunstância de que a opção pelo presidencialismo foi tema de duas das três consultas populares até hoje realizadas entre nós, sendo em ambas confirmada pelo voto dos brasileiros manifestação favorável ao regime presidencial, segundo mostra o seguinte quadro:

Ano

Parlamentarismo

%

Presidencialismo

%

Brancos/Nulos

%

1963

2.073.582

16,87

9.457.448

76,97

765.145

6,22

1993

16.517.862

24,65

37.156.841

55,45

13.355.538

19,9

Tratando-se de uma questão de natureza técnica e especializada, a evolução dos dados leva, entre outras, à necessária conclusão de que, em 30 anos, aumentou o apoio à opção parlamentarista e diminuiu a preferência pelo presidencialismo, enquanto mais do que triplicou a proporção dos indecisos e indiferentes. Os dados poderiam ser usados como indicadores de que uma consistente e sistemática campanha de esclarecimentos terminaria por criar maior oportunidade de uma possível vitória do parlamentarismo pelo voto popular, se confirmada essa tendência empiricamente aqui constatada. No entanto, na medida em que o parlamentarismo for a opção de apenas um partido político, as chances de sua aprovação por manifestação popular será extremamente difícil, por implicar em uma identificação entre sistema parlamentar de governo e uma legenda partidária específica, circunstância que seguramente afastará os eleitores do restante do espectro partidário do país.

Esta, contudo, não é a hipótese, nem o objetivo desta emenda, já que não se cogita de uma decisão popular, mas se propõe, ao contrário, uma deliberação congressual, para a qual é possível obter substancial apoio político, doutrinário e até mesmo ideológico, no âmbito do Congresso Nacional, se houver uma simetria entre as tendências da opinião pública brasileira acima demonstrada e o sentimento partidário.

Os fundamentos desta proposta se baseiam na procedente constatação de Afonso Arinos de Melo Franco, no prefácio em que registrou as razões de sua transição política e pessoal, ao confessar ter sido não só convencido, mas também convertido, passando da condição de teórico do sistema presidencialista para a de adepto e defensor do parlamentarismo. Em 1958, ele assinalou com toda razão, no prefácio do livro em que a Editora José Olímpio reuniu os textos de seu parecer na Comissão Especial da Câmara contra a emenda parlamentarista nº 4/1949, de Raul Pilla, publicada no mesmo volume, que "O êxito dos regimes depende muito mais do espírito com que são aplicados e da correspondência com o meio social que pretendem governar, do que da sua estrutura jurídica". Em defesa de sua tese, usou dois exemplos que aparentam uma contradição, na realidade inexistente:

Os Estados Unidos e a Inglaterra, apesar das diferenças que separam os respectivos regimes de governo, têm muita identidade quanto à maneira pela qual concebem e praticam o Direito Constitucional. Os sistemas constitucionais, entre os povos saxônicos, se desenvolvem histórica e casuisticamente e não empírica e racionalmente, como ocorre com os povos de cultura latina.

Daí sua conclusão de que:

O sistema presidencial dos Estados Unidos, tanto quanto o parlamentarismo da Inglaterra, estão entre os maiores êxitos de organização política de toda a história universal, cada qual em virtude de certos fatores específicos. O presidencialismo americano se apóia em três elementos igualmente importantes, cujo equilíbrio dinâmico constitui o segredo de seu extraordinário sucesso: o culto da Constituição Federal, a influência da Suprema Corte e a ação dos partidos políticos.

(...) De uma maneira geral, pode-se assegurar que o partido político domina no século XX, o panorama das instituições constitucionais, em todos os regimes verdadeiramente organizados. Quer nos sistemas democráticos de governo, quer nos totalitários ou antidemocráticos, o partido é o mecanismo político por via do qual as forças sociais se afirmaram, dentro e através das instituições. Nos sistemas democráticos pluripartidários e parlamentares (França e Itália), elas procuram um livre equilíbrio graças às composições parlamentares chamadas coalizões. Quando o sistema é bipartidário e parlamentar (Inglaterra) o governo é exercido naturalmente pelo partido em maioria. Quando é bipartidário e presidencial (Estados Unidos), ou o Presidente tem maioria no Congresso, ou não a possui. No primeiro caso não há problema, mas no segundo são necessárias acomodações que, às vezes, não impedem derrotas do Executivo, como, ainda em 1957, sucedeu com o presidente Eisenhower na tramitação do orçamento. Porém, tanto as acomodações, como as derrotas transcorrem exclusivamente no plano dos partidos.

E conclui:

(...) Não considero o parlamentarismo uma panacéia milagrosa. Ao contrário. Proclamei-lhe os defeitos no estudo que se vai ler em seguida. Mas cheguei à conclusão de que, melhor ou menos mal que o presidencialismo, ele servirá para vencer a atual crise da democracia brasileira.

II - ANTÍDOTO CONTRA CRISES?

Em 1958, quando o então presidencialista Afonso Arinos escreveu esse texto, o Brasil já tinha superado sua pior crise política e institucional. Vivíamos sob o governo de Juscelino Kubitschek que teve, entre tantas outras, a virtude de superar o fosso que dividia a opinião pública desde 1954, com o suicídio do Presidente Vargas. Hoje, à distância de praticamente meio século daqueles que convencionamos chamar de "anos dourados", marcados por uma reconhecida estabilidade política, um promissor dinamismo econômico e significativas transformações sociais, somos obrigados a reconhecer que não só não nos encontrávamos em crise, como de sua iminência ainda não havia sinais. O presidente desarmou os focos de insurreição militar com que iniciou seu governo, concedendo anistia aos revoltosos antes mesmo de deporem as armas, consciente de que o movimento sedicioso não tinha raízes nas Forças Armadas. O sistema político, porém, já tinha causado sua principal vítima, com o suicídio do estadista que, na Presidência da República, negou-se a ceder às pressões políticas com respaldo militar, que terminaram por ceifar sua vida. Colocado ante o dilema de afastar-se do poder legitimamente conquistado e ao qual seguramente não voltaria, se concordasse com a forma sibilina de "licenciar-se" ou renunciar, Getúlio buscou a solução extrema da morte.

Uma indagação restou inevitável. Se na década de 1950 estivéssemos vivendo sob outro regime, como o parlamentarismo, em que prepondera o princípio da separação de poderes, entre a chefia do Estado e a do governo, o desfecho da crise política de 1954 teria sido tão dolorosamente trágico como se revelou? A especulação, a suposição e a cogitação efetivamente não servem à História. Mas as hipóteses podem servir de orientação, ao menos para o exercício do raciocínio lógico. A eventualidade de uma simples troca do Gabinete, como no sistema parlamentarista tanto era possível, quanto plausível para conter a crise político-militar.

A dinâmica do processo político, contudo, não obedece aos ditames da lógica formal das conclusões, por mais racionais que elas sejam. À crise do suicídio em 1954, sucedeu a da renúncia de Jânio Quadros em 1961. O parlamentarismo a que aludia Afonso Arinos em 1958 terminou sendo usado como panacéia para a crise que, em três anos, levou à sua adoção.

Na verdade, era uma contrafação de parlamentarismo, pois não previa a dissolução da Câmara, em decorrência da inexistência do princípio da responsabilidade política do Ministério. E esse foi o preço que levou à sua revogação. Parece fora de dúvida, porém, que, de alguma forma, o abandono da solução de emergência contribuiu para o desfecho incruento, mas indesejado de 1964. O parlamentarismo, utilizado como antídoto em 1961, não foi mais que mero subterfúgio, frustrado com sua revogação, depois de quinze meses, pela consulta popular de 6 de janeiro de 1963. No ano seguinte, a República liberal de 1946 tornou-se simples hiato entre o Estado Novo decretado em 1937 e o regime militar instituído em 64.

A Constituinte de 1987/8, nascida de tantas e tão promissoras expectativas, frustrou, mais uma vez, as esperanças dos parlamentaristas. A Comissão de Sistematização presidida por Afonso Arinos, convertido então há mais de vinte anos ao parlamentarismo, formulou um projeto de organização política calcado no arcabouço do sistema parlamentar de governo que terminou sendo obrigado a conviver com a armadura presidencialista imposta pela votação de 22 de agosto de 1987, em que venceu o presidencialismo. O plebiscito previsto para 7 de setembro de 1993, e antecipado para abril, não poderia ter propiciado resultado diferente do que aquele que logrou. Na verdade, o recurso à consulta popular não foi mais que um consolo, uma espécie de concessão feita pela Constituinte aos parlamentaristas, a reboque da vitória conquistada pelos monarquistas, com o plebiscito de sua iniciativa, incluído no art. 2o das Disposições transitórias da Constituição.

O que poderia ter sido um antídoto contra as crises de governabilidade, terminou se inviabilizando no país em que elas sempre se tornam maiores do que os remédios prescritos.

III - ARREMEDO DE PARLAMENTARISMO

O regime presidencialista instituído como solução de compromisso pela emenda constitucional n° 4, de 1961, era efetivamente um arremedo de parlamentarismo. Por isso, durou tão pouco. Foram nada menos de três Gabinetes em quinze meses, o que dá a média de um a cada cinco meses, com a circunstância de que o Gabinete Tancredo Neves durou os dez primeiros meses, entre 8 de setembro de 1961 e 12 de julho de 1962, quando o presidente do Conselho se desincompatibilizou para concorrer às eleições gerais daquele ano, uma prática que no parlamentarismo é dispensável e incabível. O Gabinete Brochado da Rocha que o sucedeu, perdurou durante pouco mais de sessenta dias, entre 12 de julho e 18 de setembro do mesmo ano. E o último, presidido pelo professor Hermes Lima sobreviveu entre 18 de setembro a 12 de dezembro como Gabinete provisório, e entre essa data e 24 de janeiro, hibernando o tempo necessário para preparar os funerais da frustrada experiência.

Os fatos mostram que, com o sistema adotado no Império e esse arremedo de 1961, o parlamentarismo ainda não teve sua chance no Brasil, pela simples razão de que nunca chegou a ser praticado.

Não são poucos, porém, os que usam o argumento de que a adoção do sistema parlamentar entre nós significaria apenas voltar ao regime vigente no Império. É o que assinala Afonso Arinos no item III de seu parecer contrário à emenda parlamentarista nº 4/49, de autoria do dr. Raul Pilla, quando escreveu:

Não é recente a opinião de que os males da nossa política republicana decorrem da adoção do sistema presidencial, depois de muitas décadas de prática parlamentarista. Voltar ao parlamentarismo do Império, eis a solução preconizada por muitos, inclusive pelo sr. Raul Pilla, que a invoca em mais de um discurso.

Comecemos por observar que é altamente duvidosa, ou, pelo menos, muito pouco rigorosa, a caracterização do governo imperial como sendo parlamentarista.

(...)Que caracteriza, com efeito, o governo parlamentar, ou governo de gabinete? Para não cometermos a imprudência de opinar por nossa própria conta, tomemos a opinião de duas grandes autoridades, escolhidas nos grandes países tradicionalmente parlamentaristas, Inglaterra e França. O inglês Bagehot (fonte na qual Joaquim Nabuco confessa, na "Minha formação", ter bebido a sua convicção da "superioridade do governo de gabinete inglês sobre o sistema presidencial americano), escreve:"O traço-de-união é o gabinete. Por este novo nome entendemos uma comissão do corpo legislativo escolhida para ser o corpo executivo. A legislatura tem várias comissões, porém esta é a mais importante".

(...) Executivo emanado do Legislativo, do qual aquele é uma simples delegação, responsabilidade ministerial coletiva, eis, em resumo, as características fundamentais do parlamentarismo, em qualquer das suas nuanças.

Quase todos os que sustentam a tese segundo a qual o sistema de governo no Império era, ou pelo menos tornou-se a partir de 1847, parlamentarista, invocam como evidência o Decreto nº 523, de 20 de julho daquele ano, mediante o qual foi criado o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. Seu texto não deixa dúvidas quanto ao fato de que seu limitado objetivo estava longe disso: "Tomando em consideração a conveniência de dar ao Ministério uma organização mais adaptada às condições do sistema representativo, hei por bem criar um Presidente do Conselho de Ministros, cumprindo ao dito Conselho organizar seu regulamento o qual será submetido à minha imperial aprovação".

Essa medida não teve qualquer repercussão no sistema de governo, depois de sua adoção. As práticas, os usos, os costumes e as prerrogativas dos ministros e do Ministério continuaram os mesmos. O que impedia a adoção do regime parlamentar era a própria Carta Política do Império, outorgada por d. Pedro I em 24 de março de 1824, ao investir o monarca na titularidade de dois dos quatro poderes do Estado: o Poder Moderador e o Poder Executivo. A inovação do Poder Moderador, também chamado de Poder Neutro, tinha sido divulgada no Curso de Direito Constitucional do escritor francês nascido na Suíça, Benjamin Constant, fonte em que se abeberou Carneiro de Campos, principal redator daquele texto constitucional brasileiro. Esta, aliás, não é a única contribuição do pensador francês, pois também é de sua autoria o princípio do art. 178 de nossa primeira Carta Polítca: "É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos Poderes Políticos e aos Direitos Políticos e individuais dos cidadãos; tudo o que não é constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias".

A relevância desse novo e singular Poder do Estado, instituição que só existiu nas duas Constituições outorgadas por d. Pedro, a primeira do Brasil e a de Portugal, pode ser aferida pela circunstância de que o Título V da Carta Política do Império, todo dedicado ao Imperador, inicia exatamente com as seguintes palavras constantes do art. 98: "O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e, delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, para que, incessantemente, vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos". Entre suas nove prerrogativas constitucionais estatuídas no art. 101, estavam as de: (a) convocar a Assembléia Geral [como então se denominava o conjunto das duas Casas do Parlamento do Império], nos intervalos das sessões, quando assim pedir o bem do Império; (b) prorrogar ou adiar a Assembléia Geral e dissolver a Câmara dos Deputados nos casos em que o exigir a salvação do Estado, convocando imediatamente outra que a substitua; e (c) nomeando e demitindo livremente os ministros de Estado. Uma vez que o monarca era também o titular do Poder Executivo, a ele cabiam todas as tarefas de Estado e de Governo. Não bastasse a soma de dos dois Poderes do Estado, o art. 99 do texto constitucional ainda dispunha: "A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada; ele não está sujeito a responsabilidade alguma".

Essa preponderância, essa hegemonia, essa supremacia, enfim, do monarca sobre os demais poderes do Estado, que com toda propriedade se denominou de "poder pessoal" na crítica impenitente que permeou todo o reinado de d. Pedro II, mostra que o sistema político que subsistiu até a proclamação da República, não tinha qualquer laivo, um resquício que fosse, de um sistema parlamentar de governo, tal como concebido e praticado na Inglaterra e que se espalhou por toda a Europa Ocidental, a partir dos séculos XVIII e XIX. Exatamente por isso, todo o debate doutrinário durante a longa duração do segundo reinado, se deu em torno da questão do Poder Moderador. São exemplos dessa discussão, que só teve fim com a proclamação da República, os livros de Direito Constitucional em que estudaram todas as gerações de nossos juristas durante o século XIX, como a obra tantas vezes reeditada Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, de José Antônio Pimenta Bueno, marquês de São Vicente, a de Zacarias de Góes e Vasconcelos, Da Natureza e Limites do Poder Moderador, a do jurista e magistrado Braz Florentino Henriques de Souza, Do Poder Moderador, a de José Antônio Soares de Souza, Visconde do Uruguai, Direito Administrativo e a de Tobias Barreto, A Questão do Poder Moderador.

A comprovação definitiva de que o sistema parlamentar não existiu, não foi praticado e era incompatível com a Constituição outorgada de 1824, é o chamado "incidente Zacarias", de 1868. Para solucionar a crise criada com o pedido de demissão de Caxias do comando das tropas aliadas que lutavam na Guerra do Paraguai, agastado com as críticas da imprensa subvencionada pelo gabinete liberal de Zacarias de Góes e Vasconcelos, presidente do Conselho de Ministros então no poder, d. Pedro II, de acordo com o que sugeriu o presidente do Conselho de ministros, demitiu o gabinete sustentado na Câmara por ampla maioria do Partido Liberal e nomeou para substitui-lo um gabinete conservador presidido pelo Visconde de Itaboraí. José Bonifácio, o Moço, redigiu moção hostil ao novo ministério em que se lia: "A Câmara viu com profundo pesar e geral surpresa o estranho aparecimento do atual gabinete, gerado fora de seu seio e simbolizado por uma nova política, sem que uma questão parlamentar tivesse provocado a queda de seu sucessor". O documento não era um voto de desconfiança, que não estava previsto nem na Constituição nem nas leis políticas do Império. Equivalia a tanto, porém. Pelas praxes constitucionais de todos os regimes parlamentares, a aprovação do texto, por 85 contra 10, teria sido suficiente para derrubar o novo gabinete. A resposta, contudo, dá mostras do que era o "poder pessoal", com o qual se rotulava o regime. Em vez de cair o gabinete, o imperador fez exatamente o contrário: dissolveu a Câmara que se rebelava com o seu poder e o seu arbítrio.

Ninguém melhor do que Joaquim Nabuco, com sua larga visão, seu profundo conhecimento das praxes do Império, e sua visão arguta do nosso sistema político então vigente, na monumental biografia do pai, mostrou que o pretenso parlamentarismo nunca existiu e se resumia, na verdade, à vontade soberana e definitiva do monarca:

Antes de tudo, o reinado é do Imperador. Decerto ele não governa diretamente por si mesmo, cinge-se à Constituição e às formas do governo parlamentar; mas como ele só é árbitro de cada partido e de cada estadista, e como está em suas mãos o fazer e desfazer os ministérios, o poder é praticamente dele. A investidura dos gabinetes era curta, o seu título precário - enquanto agradassem ao monarca; em tais condições só havia um meio de governar, a conformidade com ele. Opor-se a ela, aos seus planos, à sua política, era renunciar ao poder.

O que tivemos, nas palavras autorizadas de Nabuco, foram apenas, como ele as denominou, "formas do Governo Parlamentar". Em outras palavras, cruas, porém verdadeiras, tratava-se de uma contrafação do regime parlamentar. Por isso, Afonso Arinos, no seu parecer contrário à emenda parlamentarista nº 4/1949, de Raul Pilla, pôde escrever:

Quando dizemos, assim, que o Império gozou de duradoura estabilidade das instituições devido ao regime parlamentar, formulamos uma inverdade, ou antes, duas. Primeiro, porque tal estabilidade não existiu de fato, pelo menos nos termos em que os saudosistas a proclamam. Segundo, porque, ainda que tivesse existido, não teria sido por causa do sistema parlamentar, que nunca praticamos verdadeiramente.

IV - NEM TESTADO NEM EXPERIMENTADO

O teste que o verdadeiro parlamentarismo poderia ter representado para o Brasil, durante os nove anos do 1o reinado, os oito da regência, a chamada "experiência republicana", e os quase cinqüenta do segundo reinado, nunca chegou a ser feito, como vimos. Logo, o sistema parlamentar de governo nunca chegou a ser testado e, menos ainda, experimentado em nosso país. Os fatos são incontestáveis e indesmentíveis. O que tivemos no Império foi um arremedo e os quinze meses do sistema adotado para que o vice-presidente João Goulart assumisse o poder em 1961, mera contrafação do parlamentarismo.

Atribuir estabilidade ao suposto parlamentarismo do Império, nada teve a ver com a monarquia consagrada na Carta política de 1824. O que existia não era produto da estabilidade, desmentida pela sucessão de insurreições, rebeliões, revoltas, quarteladas e sublevações que se prolongaram até 1848, com a Praieira, mas apenas a continuidade do longo reinado de meio século de d. Pedro II. Propositadamente ou não, muitos confundiam estabilidade com continuidade.

Nos 49 anos que vão do 1o gabinete da maioridade, de 24 de julho de 1840, ao 36o, de 7 de junho de 1889, o último que precedeu a República, assistimos a uma sucessão de grandes personalidades públicas e líderes partidários revezando-se no poder, enquanto durou o bipartidarismo. Essa alternância perdurou até a cisão que começou com a fundação do Centro Liberal em 1868, depois da Liga Progressista e, por fim, com a do Partido Republicano em 1870. Esses movimentos foram frutos do desgaste do regime iniciado com a queda do gabinete Zacarias, em julho de 1868, e consumado com a proclamação da República. Nesses 580 meses, a duração média dos gabinetes foi de dezesseis meses, algo que pode ser associado, no século XX, à duração efêmera dos gabinetes da Itália de pós-guerra.

O regime que atravessou todo o Império, a partir de nossa Independência, desapareceu com o advento da República. Mas não morreu aí a aspiração pela implantação do parlamentarismo.

Não foi sem razão que Afonso Arinos afirmou que o verdadeiro parlamentarismo, tal como foi concebido ao fim de anos de lenta evolução da monarquia, nunca foi praticado fora da Inglaterra, da mesma forma como o presidencialismo, com suas peculiaridades e instituições originais, nunca foi efetivamente praticado fora dos Estados, na medida em que ambos foram produtos da adaptação do modelo teórico imaginado pelos filósofos dos séculos XVIII e XIX, às necessidades práticas da evolução histórica dos países que os criaram e os aperfeiçoaram. A geração que fundou e moldou a República entre nós se dividia entre os críticos do regime monárquico e os positivistas. Os primeiros defendiam uma democracia eletiva; os últimos, uma autocracia totalitária, como demonstra o projeto de Constituição de Teixeira Mendes e Miguel de Lemos. Tanto que o seu art. 21 declarava expressamente: "o governo dos Estados Unidos do Brasil é republicano, ditatorial e federativo", enquanto o art. 27 prescrevia: "a Assembléia será puramente orçamentária".

Os líderes políticos que ajudaram a difundir a idéia republicana no fastígio da monarquia, com o manifesto de 1870, e os que aderiram ao regime e constituíam a maioria do Congresso Constituinte de 1890/91, não tinham qualquer compromisso senão com a República consumada em 15 de novembro. Por isso, como aponta Afonso Arinos, quando ainda era presidencialista, "os parlamentaristas constituíam (...) exceções mofinas" para logo esclarecer que "o mais desassombrado e capaz era César Zama. Outros, como Teodureto Couto ou Oliveira Pinto, aqui e ali desvendam suas dúvidas sobre o sucesso do presidencialismo". E por fim conclui: "Praticamente, todavia, a Constituinte foi presidencialista. E essa prática unanimidade, saindo de tantas décadas de um governo suposto parlamentar, dá que pensar".

A República, naqueles dias, era apenas uma aspiração. O regime vigorante nos sessenta e sete anos depois da Independência, uma dolorosa lembrança. Abandonamos um sistema que não chegamos a conhecer, por outro que ainda não conhecíamos.

V - A IDÉIA QUE NÃO VINGOU, MAS TAMBÉM NÃO MORREU

Parodiando os percalços da evolução política do Brasil, é fácil concluir que o parlamentarismo, entre nós, foi uma realidade que não chegou a nascer e uma aspiração que nunca chegou a morrer.

A avalanche de adesões ao presidencialismo republicano só foi contestada nos estertores do monarquismo, sobrevivente em algumas dissidências, como a do liberal visconde de Ouro Preto, o presidente do último gabinete do Império, com o seu livro-denúncia Advento da Ditadura Militar no Brasil, primeiro publicado com o título de Manifesto no jornal lisboeta Commercio de Portugal e depois editado sob a forma de livro em Paris em 1891, com retificações de enganos cometidos na 1a edição. Outra contestação foi a de Antônio Prado, exilado em Portugal, onde publicou seis artigos na Revista de Portugal, de dezembro de 1889 a junho de 1890, os textos logo a seguir reunidos sob a forma de livro, com o título Fastos da Ditadura Militar, assinados com o pseudônimo de Frederico de S.

A mais consistente das avaliações do novo regime, porém, foi a iniciativa de um grupo de intelectuais e publicistas, ao ensejo do 10o aniversário do 15 de novembro, originalmente publicadas em fascículos e reunidos pela reedição em dois volumes, promovida pela Universidade de Brasília em 1986. Mais do que uma crítica ao presidencialismo, porém, é uma apologia do regime decaído, em que, por sinal, não há um balanço do sistema de governo que antecedeu a República.

A despeito da quase unanimidade presidencialista da Constituinte de 1891, a idéia parlamentarista e a aspiração por esse sistema de governo não desapareceram com o advento da República. Logo em 1893, Sílvio Romero publicou oito cartas enviadas a Rui Barbosa, sem dúvida o maior responsável pelo texto presidencialista da Constituição republicana. Na primeira delas, o crítico sergipano diz a que veio:

É escusado querer esconder, como fazem muitos, a grande, a enorme aceitação que vai tendo no Brasil, a idéia da república parlamentar.

A princípio tímida, receosa do descrédito que certo sectarismo enfezado e inepto procurava, como ainda procura, lançar sobre ela, a teoria do parlamentarismo sentiu, por fim, força e estímulos para sair do retraimento à que se condenara, diante dos erros, dos quase irremediáveis desatinos do governo presidencial que nos tem desbaratado em três anos de terríveis loucuras.

No ano seguinte, foi a vez de Felisbelo Freire:

Na vida do governo republicano faz-se sentir atualmente uma corrente de opinião política bem acentuada a favor do parlamentarismo (...) Quase todos eram antiparlamentaristas. Hoje a situação é inteiramente diversa. Para o parlamentarismo muitos convergem, convictos de sua prestabilidade. Espíritos sérios e amadurecidos por não pequena soma de conhecimento põem a favor de sua propaganda os recursos de sua atividade intelectual. Que se deu para essa transformação da opinião, que virou como um cata-vento?

Vinte anos depois, em 1914, o proselitismo parlamentarista ainda estava em curso,

Nenhuma disposição constitucional tem sido mais malsinada do que esta [o sistema presidencial]; e, devido à falta de memória que assinalamos na introdução, o regime parlamentar que vigorou no Império [sic] está sendo apregoado como a única panacéia capaz de curar todos os nossos males, regenerando imediatamente os nossos costumes políticos e administrativos, aceitando os carneiros do Panúrgio, sem mais detido exame, esta informação inteiramente gratuita.

O proselitismo parlamentarista encontrava também seus críticos. Em 1918, o político e jornalista Manuel Duarte chamava a atenção para um aspecto interessante de nosso parlamentarismo. Trata-se da opinião emotiva que via nesse sistema de governo apenas um expediente para a solução de crises momentâneas, quando não para uma forma de combate à situação política vigente. Referindo-se à súbita simpatia manifestada por esse sistema por um grande jornal carioca no ano anterior, ele escreveu:

A verdade é, entretanto, que a parte da opinião pública e jornalística que se mostra adepta ao parlamentarismo não o faz senão por espírito oposicionista. Como os governos, entre nós, são presidenciais, a maneira mais radical de combatê-los é propugnar o advento de um regime em que a figura do chefe de Estado, que agora centraliza todos os ataques, desmaie e se amesquinhe diante de outro poder.

Com o nome de revisionismo, como ensina Afonso Arinos em seu parecer contra a emenda Raul Pilla de 1949, formou-se na década de 1920 uma corrente que visava à reforma da Constituição, que terminou por aprovar a emenda constitucional de 1926, por sinal, a única que teve a Constituição republicana de 1891. Muitos dos que advogavam a reforma visavam à implantação do parlamentarismo que não vingou. Entre eles, estava Nilo Peçanha que, entretanto, abandonou a causa pouco depois de abraçá-la. Outros, como foi o caso de Pedro Moacir, a ela se mantiveram fiéis. Um deles foi, pouco antes da Revolução de 1930, José Maria dos Santos, autor do livro A Política Geral do Brasil.

O movimento voltou a se manifestar na Constituinte de 1934. Afonso Arinos lembra que "ao lado da maioria presidencialista, alguns dos representantes mais prestigiosos daquela Assembléia, como o deputado Agamenon Magalhães e os senadores Ferreira de Sousa e Aluísio de Carvalho, bateram-se vigorosamente pelo parlamentarismo", entre cujos adeptos ele lista também os constituintes "José de Sá, Abguar Bastos, Osório Borba, Mario Domingues, Pedro Rache e Alberto Roselli". De acordo com o mesmo autor, houve também os que viam as coisas com menos preocupação doutrinária e maior dose de realismo. Propugnavam, pela introdução na nova lei magna, de medidas de parentesco parlamentarismo que viessem a corrigir os malefícios do presidencialismo puritano de 1891. Nessa posição, ele aponta "o velho e ilustre Assis Brasil que pronunciou um erudito e pitoresco discurso na sessão de 27/12/1933, cheio de sugestões sábias ainda para um leitor de hoje" e relembrou sua opinião fixada no livro escrito no começo da República que, no governo presidencial, não é defeso adotar certos elementos do sistema parlamentar. Assim, por exemplo, "a criação de um ministério responsável e obrigado a comparecer às Câmaras, a requerimento destas".

De acordo com ele, também o deputado gaúcho Maurício Cardoso propugnou idênticas medidas transacionais, com fundamento no fato de que "o parlamentarismo e o presidencialismo têm virtudes que devem ser aproveitadas e vícios que devem ser corrigidos" e de que por, isso "se devia aceitar, um presidencialismo de fórmula mista". O resultado dessas tendências é que a efêmera Carta de 34 terminou adotando medidas de cunho parlamentarista, entre as quais o jurista mineiro aponta "o comparecimento de ministros à Câmara e ao Senado (art. 60, letra b); na responsabilidade dos ministros pelos atos que subscrevam (art. 61 § 2o); e na possibilidade de nomeação de deputados para o cargo de ministro (art. 62)".

Na Constituinte de 1946, há o testemunho do deputado Raul Pilla, lido na sessão de 30 de março de 1949, em que, ao apresentar sua emenda parlamentarista , lembrou: "Ao reunir-se a Assembléia Nacional Constituinte, tive a ocasião de ler da tribuna o manifesto parlamentarista assinado por sete dezenas de pessoas, entre as quais se contavam poucos constituintes. À grande maioria afigurou-se, então, verdadeira utopia o nosso movimento; hoje ele está representado por mais de um terço dos senhores deputados e muito não tardará que se lhes agreguem as poucas dezenas ainda necessárias à sua vitoriosa passagem nesta Câmara". No tomo III do livro Doutrina Constitucional Brasileira (Constituição de 1946), organizado pelo prof. Octaciano Nogueira e publicado pelo Senado Federal, o autor transcreve, em defesa do Parlamentarismo, os pronunciamentos de três parlamentaristas históricos, o deputado Raul Pilla, do PL do Rio Grande do Sul, o deputado José Augusto, da UDN do Rio Grande do Norte, que defendeu a idéia parlamentarista desde 1936, e o senador Matias Olímpio, também da UDN do Piauí. Quando submetida a votos, contudo, a proposta parlamentarista não obteve mais que 64 votos a favor e 154 contra.

Sob o regime da Constituição de 1946, a Câmara que rejeitou a emenda parlamentarista nº 4, de 1949, de autoria do apóstolo do parlamentarismo, o deputado Raul Pilla, também aprovou, em 2 de setembro de 1961, a emenda parlamentarista como solução de compromisso para a posse do vice-presidente João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros. À proposta, como se sabe, por sugestão do antigo presidencialista Afonso Arinos, então já convertido ao parlamentarismo, deu-se o nome de Ato Adicional, título usado em 1834 para a única emenda aprovada à Constituição outorgada em 1824, em seus sessenta e sete anos de duração.

A Constituinte de 1987/8 a que já nos referimos, sepultou as esperanças da mudança de nosso sistema de governo instaurado em 1889 e mantido em todos os textos constitucionais posteriores. Não seria fora de propósito assinalarmos que a contrafação parlamentarista que teve vigência durante quinze meses, entre setembro de 1961 e janeiro de 1963, foi o único arremedo testado no Brasil, utilizado como fórmula de transição e de compromisso que terminou levando ao movimento militar de 1964. Como se vê, foi apenas um instrumento político de que se utilizou o Congresso, para prolongar, por alguns meses mais, a agonia do regime instaurado em 1946, depois do fim do Estado Novo.

VI - A TESE QUE INSISTE EM SOBREVIVER

Durante a existência de nossa mais que centenária República, o Parlamentarismo nunca deixou de ser considerado um item da agenda política brasileira. Em plena reunião da Constituinte de 1987/8, o Ministério da Administração, à época dirigido pelo ex-deputado Aluízio Alves, editou, através da Funcep - Fundação Centro de Formação do Servidor Público -, uma série de textos sobre o tema que ainda hoje servem de subsídio para quantos se interessam pelo assunto. Fazem parte dessa coleção o texto já referido de Sílvio Romero, Parlamentarismo e Presidencialismo na República Brasileira, a coletânea de artigos do deputado norte-riograndense José Augusto Bezerra de Menezes, Porque sou Parlamentarista e Presidencialismo Versus Parlamentarismo, os pronunciamentos de Tancredo Neves durante o período em que exerceu o cargo de presidente do Conselho de Ministros, em 1961, o pequeno manual de Raul Pilla, Parlamentarismo ao Alcance de Todos, o precioso ensaio de João Camilo de Oliveira Torres, Cartilha do Parlamentarismo, e a 2a edição do útil roteiro que é a monografia do prof. Vamireh Chacon, O Novo Parlamentarismo

Além dessa contribuição do então ministro Aluízio Alves, esse mesmo Ministério, ainda no governo do presidente José Sarney, patrocinou também a realização de um Seminário Internacional, de 19 a 21 de maio de 1987, que contou, no primeiro dia, com as conferências do prof. Jean Luc Parodi, sobre o tema "O Regime Semi-presidencial Francês e a Co-habitação", do prof Javier Garcia Fernandez, abordando "As Relações entre o Executivo e o Legislativo Espanhol", e do prof. Miguel Reale Júnior, sobre "A Proposta Semi-Presidencialista", sendo os debates conduzidos pelo prof. Celso Lafer. No dia imediato, participaram o prof. James Young, sobre "Evolução do Sistema de Governo nos Estados Unidos", o embaixador Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva, com o tema "Parlamentarismo e Presidencialismo: uma análise" e o deputado João Gilberto Lucas Coelho, sobre "Parlamentarismo e Presidencialismo nas Condições Brasileiras". Os debates desse segundo dia foram conduzidos pelo senador Jarbas Passarinho. No último dia do seminário, há uma abertura do deputado Ulysses Guimarães, à época ainda presidencialista, segundo confirmou em sua intervenção, e duas conferências: a primeira do prof. Dr. Uwe Thaysen, sobre "Uma Abordagem Sobre o Sistema Político da República Federal da Alemanha" e a segunda do dr. Armando Marques Guedes sobre "Neo Parlamentarismo Português".

Utilizei esses dados com o objetivo de mostrar que o debate sobre o sistema de governo sempre esteve presente entre nós, com maior ou menor intensidade, toda vez que se discutiu a organização constitucional do país. Mas não somente nesses momentos. No interregno das Constituintes, ele nunca deixou de figurar na agenda política nacional. Tomo como exemplo o artigo do professor dr. Antônio Octávio Cintra, publicado dez anos após o debate acima indicado, na utilíssima revista do TSE, dirigida pelo prof. Walter Costa Porto em seu n° 2. Com o sugestivo título de Parlamentarismo: retorno à pauta, o professor da Universidade Federal de Minas Gerias começa seu artigo com o tema Separação (litigiosa) de Poderes, advertindo:

Apesar de a questão do sistema de governo parecer ter-se resolvido com o plebiscito de 1993, se encararmos o assunto sob uma perspectiva formal, o tema insiste em voltar ao debate público. O assunto vem à discussão juntamente com o tema mais amplo e duradouro, no País, de uma reforma política que compreende numerosos tópicos, tais como as reformas do sistema eleitoral e da legislação partidária, entre outros. Parece, pois, tratar-se de sintomas de um real problema político, que não adianta abafar ou ignorar, pois está sempre voltando à discussão.

Para, logo em seguida, lembrar:

As relações entre os Poderes Executivo e Legislativo no País não constituem realidade consolidada e institucionalizada. Ainda não se delimitaram bem as fronteiras entre essas duas partes do sistema político.

Mais adiante, frisa o prof. Cintra:

Na atual conjuntura do relacionamento dos Poderes entre nós, dada a fluidez de contornos nas competências, é freqüente a troca de farpas e mútuas acusações.

Tem sido muito comum, por exemplo, de parte do Legislativo, a acusação ao Executivo de que este faz prevalecer seu poder, valendo do rolo compressor. Também se censura o controle do Executivo sobre a pauta do Legislativo e o uso de medidas provisórias, tornado instrumento cotidiano, em vez de excepcional.

Mas o Executivo também tem queixas. O volume de expectativas sociais convergentes sobre a Presidência é imenso no Brasil. Do Presidente se espera um papel ativo ou, até, hiperativo. Desde, pelo menos, o Governo JK, a visão prometéica da Presidência passou a ser dominante em nossa cultura política (...)

(...) Diante da premência sob a qual atua o Executivo, os ritmos do Congresso parecem desajustados. Reclama-se, também, da tirania dos elevados "quoruns" exigidos para aprovar emendas à Constituição, definidas como pré-requisito das reformas cuja realização a Presidência vê como inscritas em seu mandato.

A longa transcrição das significativas e profundas reflexões do prof. Antônio Octávio Cintra tem razão de ser. O Brasil já passou, nas inúmeras fases de sua evolução histórica, por diferentes formas de Estado e de Governo. Tivemos um Estado unitário no Império e organização federativa na República. Quando o Ato Adicional de 1834 extinguiu os Conselhos Gerais de Províncias e instituiu as Assembléias Legislativas Provinciais, Pedro Calmon chamou o Estado brasileiro da época de semi-federalista. Transitamos por sistemas que poderíamos chamar de semi-parlamentarista no Império e de semi- presidencialista na República, e por toda espécie de regimes políticos: autoritários, democráticos, oligárquicos e autocráticos. Testamos experiências mal-sucedidas e deformadas, como a contrafação parlamentarista de 61, como forma de contornar a crise política daquele período que pôs fim à República de 46, chamada de "liberal" por Edgard Carone, embora a maioria da população adulta, por ser analfabeta e que sempre votou no Império, só readquiriu o direito de voto com a Emenda Constitucional n° 25, de 15 de maio de 1985.

Quando lembramos a evolução histórica dos Estados Unidos, que transitou da verdadeira Convenção confederativa das treze colônias, convocada em 1774 e que perdurou até a aprovação do seu acentuado federalismo consumado com a aprovação da Constituição de 1787, ainda hoje em vigor, somos obrigados a cotejar esses fatos com a nossa monarquia que precedeu a Independência, com a figura do Príncipe Regente, em 1821, e sua sagração como Imperador em 12 de outubro de 1822. Aqui recebemos modelos completos e acabados que aceitamos por conveniência. E pagamos alto preço por isso desde os pródromos de nosso sistema representativo, que teve início e culminou com a dissolução de nossa primeira Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. Atribuir poderes de legislatura ordinária a uma Constituinte, nunca foi solução satisfatória em nenhuma parte do mundo. Tanto que a nossa não logrou terminar seu trabalho de elaboração constitucional, da mesma forma, como, ao aprovar paralelamente legislação ordinária, terminou por levá-la a um conflito cujo resultado se mostrou desastroso.

Quando nos lembramos da República - proclamada num dia, consumada no outro e permeada de conflitos -, de um projeto de Constituição aprovado em pouco mais de sessenta da República velha calcada na "política dos governadores", com eleições a bico de pena e sucessivas intervenções armadas nos Estados coalhados de insurreições, rebeliões e levantes que se culminaram na Revolução de 1930, temos que convir que nossa organização política nunca se ajustou às condições econômicas, sociais e políticas com as quais o país teve que conviver, da Independência aos nossos dias.

VII - TURBULÊNCIA POLÍTICA

Se tomarmos como marcos referenciais os últimos setenta anos do século XX, somos levados a concluir que, metade desse período foi de anormalidade institucional e que a transmissão do poder nessa fase sempre foi marcada por incertezas e conflitos. O último presidente eleito pelo sufrágio direto, que recebeu o poder do antecessor escolhido segundo as mesmas regras e o transmitiu a um sucessor também eleito pelo mesmo sistema, tendo cumprido integralmente o respectivo mandato, foi o presidente Artur Bernardes, obrigado a governar os quatro anos entre 1922 e 1926 em Estado de sítio.

Seu sucessor Washington Luís foi deposto antes do termo de seu mandato e Vargas, que recebeu o poder das mãos de uma Junta Militar, foi igualmente deposto em 1945, depois de governar quinze anos sem um único voto popular. O presidente Dutra, eleito em 1945 pelo voto direto, recebeu o poder do presidente do STF, ocupante ocasional da Presidência após a deposição de Getúlio, e a ele transmitiu a faixa presidencial. Vargas, pela primeira vez escolhido em eleições diretas, não chegou a completar seu mandato. Com seu suicídio, a presidência foi ocupada pelo vice-presidente Café Filho que, à semelhança de seu substituto eventual, o presidente da Câmara, deputado Carlos Luz, foi declarado impedido pelo Congresso Nacional. Em face desses incidentes, Juscelino recebeu o poder de Nereu Ramos, vice-presidente do Senado, o 3o na linha sucessória da Presidência, e o passou a Jânio, por sua vez sucedido por Ranieri Mazzili, presidente da Câmara, em virtude da renúncia do titular. A posse de João Goulart, vice-presidente de Jânio, só se tornou possível com a adoção da emenda parlamentarista nº 4, de 1961, solução de compromisso frente à reação militar. Nem assim, chegou ao termo de seu mandato, dado o advento do regime militar. Os presidentes que ascenderam ao poder durante esse regime, ou não cumpriram integralmente os mandatos para os quais foram escolhidos, como foi o caso de Castelo Branco e Costa e Silva, ou tiveram duração diversa uns dos outros.

Castelo Branco, eleito para completar o período constitucional de Jango, que teria seu termo em 1966, teve sua permanência prorrogada por mais um ano, até 15 de março de 1967. Passou o governo a Costa e Silva, escolhido para um mandato de cinco anos, que faleceu dois anos após a posse. Foi sucedido por nova Junta Militar que transmitiu a presidência a Médici, cujo mandato se estendeu por cinco anos e quatro meses. Geisel, seu sucessor, governou durante cinco anos e transmitiu o poder a Figueiredo, brindado com um mandato de seis anos. Tancredo, eleito por via indireta, como os militares, e falecido antes de tomar posse, foi sucedido pelo vice-presidente José Sarney, que me transmitiu o governo, interrompido por um processo de impeachment que não chegou a seu termo. Primeiro presidente eleito pelo voto direto, depois de vinte e nove anos, fui sucedido por meu substituto que transmitiu o poder ao presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito por via direta para um período de quatro anos. Logrando emendar a primeira Constituição republicana que permitiu a reeleição, seu sucessor, o presidente Lula elegeu-se, portanto, com regras diferentes das que regeram a escolha de seu antecessor. Quando passar a faixa presidencial a seu sucessor, em 2011, terá sido o primeiro mandatário, depois de Artur Bernardes, escolhido pelas mesmas normas de seu antecessor, a completar seu mandato e transmiti-lo a alguém escolhido pelo mesmo processo.

Terão passados 85 anos!

Essa longa digressão serve para voltarmos ao texto do segundo item do texto aqui citado do professor Antônio Otávio Cintra que tem o sugestivo título Temos o sistema de governo apropriado? Vale a pena acompanhar suas ponderações:

Há uma certa ironia na situação que os parágrafos precedentes descrevem. Quando da batalha de opinião que cercou o plebiscito de 1993, muitos dos defensores do presidencialismo, ou de um parlamentarismo presidencialista à francesa, argumentaram necessitar o sistema político brasileiro de um ponto de articulação, que seria dado pelo presidente diretamente eleito, dotado de poderes para romper os impasses institucionais e pôr o país em movimento.

Temiam-se a dispersão de poder e a inerente instabilidade atribuídas ao sistema parlamentar. Mesmo alguns de seus proponentes pensavam dessa maneira. Viam-no, talvez, como um sistema mais democrático e flexível, porque o poder caberia à Assembléia. Mas sentiam-no como inerentemente instável. Por isso, seriam necessárias salvaguardas à sua adoção, entre elas a presença de uma burocracia pública moderna e eficiente, para levar adiante a gestão governamental em meio à turbulência política.

VIII - QUE PARLAMENTARISMO?

A última questão que se põe, ao discutir a alternativa parlamentarista, é saber que parlamentarismo se preconiza. Em primeiro lugar, é preciso lembrar ser o parlamentarismo compatível, tanto com a Monarquia, quanto com a República. Em segundo, que é mais correto falarmos em parlamentarismos, no plural, do que em parlamentarismo, no singular, em face de suas várias modalidades até hoje adotadas.

Podemos optar pelo modelo tradicional da Grã-Bretanha, aperfeiçoado ao longo de pelo menos três séculos, em que o líder do maior partido com representação nos Comuns assume, automaticamente, o cargo de primeiro-ministro e o Gabinete é composto, basicamente, de deputados que ocupam não só as pastas ministeriais, mas também outros cargos no Executivo que não integram necessariamente o Gabinete e que não são incompatíveis com o mandato parlamentar. É possível, também, escolher o sistema em uso nas demais monarquias, como as da Espanha, da Holanda, da Bélgica e do Japão, por exemplo, em que a escolha do Executivo exige, obrigatoriamente, a formação de maioria parlamentar, sem a qual o sistema não pode funcionar. Ou ainda a modalidade prevalecente em grande parte das Repúblicas parlamentaristas, como Itália, Alemanha e Grécia, em que o chefe de Estado é escolhido para mandatos fixos pela via indireta. Mesmo nessas repúblicas, porém, notam-se distinções, como a que teve início na França "gaullista" da V República com a Constituição de 1958, que desembocou no modelo atualmente vigente, em que o Presidente da República é eleito pelo voto direto, caminho seguido sucessivamente pela Áustria, Portugal, Finlândia e Irlanda. É a modalidade que podemos chamar, indistintamente, de semi-presidencialista ou semi-parlamentarista. Modelos similares como os da Alemanha e o da Itália, por sua vez, com sistemas eleitorais diferentes, e no primeiro caso, mecanismos moderadores, produzem resultados inteiramente diversos, para não dizer opostos, em seus desempenhos.

No modelo alemão, são empregados dois recursos: a cláusula de barreira ou cláusula de desempenho, e o chamado "voto de desconfiança construtivo". Os sistemas eleitorais também são diferentes. Na Alemanha, vigora o impropriamente chamado "voto distrital misto" que os especialistas denominam de "voto proporcional personalizado". Por esse sistema, o eleitor tem direito a dois votos em cada eleição. No primeiro, escolhe o candidato de sua preferência que concorre em cada distrito, elegendo-se o mais votado. No segundo, vota numa lista partidária, fechada e bloqueada, ordenada pelas convenções partidárias. A regra de conversão é a proporção de votos dados à lista: proporção de cadeiras igual à proporção de votos. O preenchimento das cadeiras, porém, se dá a partir dos eleitos pelo sistema majoritário vigorante nos distritos. Se um partido tem direito a 30% das 600 cadeiras do Bundestag, isto significará 180 vagas. Elegendo deputados em 30 distritos, as 30 primeiras vagas serão a eles destinadas e as 150 restantes aos 150 primeiros nomes da respectiva lista.

Com relação ao voto de desconfiança construtivo, trata-se de uma disposição para evitar a acefalia do Executivo, quando a derrubada do Gabinete não permite sua imediata substituição por outro delegado pela maioria parlamentar. Esse instituto típico do sistema alemão está previsto no art. 67 da Lei Fundamental de Bonn: " (1) O Parlamento Federal só poderá pronunciar o voto de desconfiança ao Chanceler Federal, desde que eleja um sucessor com maioria absoluta e peça ao Presidente Federal a exoneração do Chanceler. O Presidente Federal deverá aceder a esta solicitação, nomeando o sucessor eleito. (2) Entre a moção e a votação tem de haver um intervalo de 48 horas". Por fim, outra distinção é a cláusula de barreira ou de desempenho, segundo a qual os partidos que não obtenham pelo menos 5% dos segundos votos em nível nacional, ou não consigam eleger candidatos por pelo menos três distritos, através do sistema majoritário, não participam da divisão de cadeiras na Câmara dos Deputados (Bundestag).

Na Itália vigora, desde o plebiscito de 1991, que levou à reforma eleitoral de 1993, um sistema similar que é misto. Na verdade, é um sistema majoritário corrigido: 75% dos deputados são eleitos pelo sistema majoritário nos distritos e 25% segundo o critério proporcional. O sistema italiano tem interesse não só pela originalidade do sistema escolhido, como também pela mudança que supôs o abandono de um sistema proporcional quase integral, que funcionou entre 1946 e 1993.

Diferentes sistemas eleitorais e medidas corretivas como a cláusula de desempenho, produziram resultados inteiramente diversos em ambos os países. Em primeiro lugar, em relação à estabilidade dos respectivos governos e igualmente, em relação ao número de partidos representados nos seus parlamentos. Entre 1949, quando entrou em vigor a Constituição do país, a Lei Fundamental de Bonn, de 1948, até hoje, a Alemanha teve apenas oito governos, desmentindo a suposta instabilidade dos sistemas parlamentaristas. A Itália, ao contrário, de 1948, quando efetivamente entrou em vigor sua primeira Constituição de pós-guerra, foi governada até 2006 por cinqüenta e cinco primeiros-ministros, sendo que a maior parte deles ficou no poder poucos meses, alguns dos quais por menos de uma semana. Da mesma forma, enquanto na Alemanha pós-1945 não mais do que cinco partidos tiveram representação parlamentar, na Itália esse número superou mais de trinta legendas diferentes.

IX - CONCLUSÃO

Comecei a fundamentação desta Proposta de Emenda Constitucional indagando o que justificaria propor a adoção do parlamentarismo entre nós, depois de 117 anos de governos republicanos e de duas consultas populares que optaram, majoritariamente, pela manutenção do presidencialismo. A volta do tema à agenda e ao debate político justifica-se, a meu ver, se a intensificação desse debate puder ser feita atendidos alguns requisitos. O primeiro, desde que no âmbito de uma ampla reforma política, como a que vem sendo prometida e discutida nas duas últimas décadas. O segundo é que, para ser produtivo e conseqüente, esse debate deve ser conduzido em períodos de estabilidade institucional, como o que estamos vivendo na atualidade. E o terceiro, que possa ser ampliado para incluir não só o âmbito político, parlamentar e partidário, mas envolver também os setores interessados da sociedade, com a participação de todos os que, por sua experiência e conhecimento, desejam contribuir para enriquecê-lo.

A experiência brasileira mostra que cingir a proposta de sua adoção aos debates constituintes, como foi feito nas Assembléias de 34, 46 e 88, ou usar sua adoção como solução de compromisso durante os períodos de crise, como em 1961, terminam resultando em desgastante experiência que acaba por contaminar as virtudes que o sistema possa representar para o país. No imaginário popular, o parlamentarismo costuma ser associado à noção de instabilidade política ou aos cenários de crises institucionais. Quando mais aceso era o debate sobre esse assunto na Constituinte de 1946, um dos defensores mais ardentes do presidencialismo invocou o relato de André Tardieu que, por três vezes ocupou na França o cargo de presidente do Conselho de Ministros, valendo-se do livro de sua autoria Le Souverain Captif, publicado num dos períodos tensos da conjuntura política européia. Ele relata que em treze meses, teve que comparecer a 329 sessões do Parlamento, para ser interpelado 327 vezes e esclarece ter sido obrigado a discutir a aceitação de 101 delas e o mérito de outras 93. Nessas ocasiões, como nos debates orçamentários e legislativos, ele teve que subir à tribuna 172 vezes e suscitar, por seu turno, 60 vezes questões de confiança, a fim de se manter no poder. É preciso ter em mente que casos excepcionais como esse não constituem a rotina do sistema parlamentar, mas, ao contrário, denotam excessos e deformações a que qualquer regime pode estar sujeito.

O parlamentarismo, ao contrário, supõe, na maioria dos países em que é hoje praticado, especialmente na Europa, uma garantia de continuidade e estabilidade das diferentes orientações políticas. Na Inglaterra, por exemplo, Margareth Tatcher governou durante onze anos e foi substituída por seu colega e ex-ministro, o conservador John Major, que a substituiu durante mais sete anos, até a ascensão do atual titular, o trabalhista Tony Blair, no poder desde 1997. Na Espanha, o socialista Felipe González governou treze anos e foi substituído pelo conservador José Maria Aznar, que permaneceu no poder durante mais oito. Na Alemanha, Konrad Adenauer foi Chanceler por quatorze anos, Helmuth Schmidt por oito, Helmuth Köhl por dezesseis e Gerhard Schröder, durante outros oito anos.

Propor e discutir uma proposta de adoção do sistema parlamentar de governo, no momento em que o país aguarda há quase duas décadas a materialização de uma reforma política, tão intensamente prometida, tão seguidamente discutida e tão ansiosa esperada, como capaz de aprimorar nossa organização política, não me parece um ato gratuito. Pareceu-me, antes, um dever, sem que isso signifique aprová-la antes de discuti-la, ou preconizá-la sem discuti-la.

O Brasil, que possui uma das mais antigas tradições parlamentares do mundo ocidental e cuja primeira Constituição, ao ser revogada com a proclamação da República, era o 3o texto constitucional mais antigo do mundo, superado apenas pela pela dos Estados Unidos, de 1787, e pela da Suécia, de 1816, pode e deve fazer do aprimoramento do nosso sistema político e de nossa organização institucional, objeto de permanente debate e de uma conseqüente e necessária discussão.

Sala das Sessões, em de abril de 2007.

Senador FERNANDO COLLOR

PTB/AL

PLEBISCITO DE 1993

Parlamentarismo:origem e evolução na Inglaterra medieval

Gustavo Lima Campos
médico, bacharel em Direito pela UNIPAC - Ubá (MG), especializando em Direito Tributário e Direito do Trabalho

Introdução:

O parlamentarismo foi fruto do desenvolvimento e das peculiaridades ímpares da sociedade inglesa ao longo de vários séculos. Não foi "descoberto" ou "inventado", muito menos adaptado da realidade de outros países, mas sim foi se desenvolvendo em espasmos com longos anos ou séculos de calmaria frente às exigências do povo e do governo da Inglaterra. Ao contrário do que sempre lemos em textos mais breves ou menos aprofundados, o parlamentarismo como o conhecemos não foi iniciado após a Revolução Gloriosa de 1688 com a ascensão de Guilherme de Orange ao trono da Inglaterra, mas vem de muitos séculos antes, ainda sob o domínio saxão, culminando, durante a dita revolução, no seu formato quase final e acabado (que seria dado durante o reinado de Vitória I, ao longo de todo o século XIX, o que está além do escopo deste breve estudo).


História, Origem e Evolução:

Quando Guilherme da Normandia invadiu as ilhas da Grã-Bretanha no ano de 1066, subjugando o reino saxão que estava com seu trono vago pela morte de Eduardo, o Confessor, já existia neste reino o Witan, conselho do Rei, composto dos principais líderes de clãs, comerciantes, religiosos e burgueses das ilhas. Esse conselho era freqüentemente reunido pelo rei para deliberar sobre os mais importantes assuntos de defesa ou impostos, ainda que isso se fizesse ao bel prazer do governante. Essas reuniões, com freqüência cada vez maior, se davam no mosteiro construído ao leste de Londres, na ilha de Thorney, pelo rei Eduardo, também conhecido como Westminster.

No ano de 1080, houve ameaça de reconquista das terras da Inglaterra pelos saxões ao norte e leste, ajudados pelos reis da Dinamarca e da Noruega. Em função dos gastos preparatórios contra essa invasão, que jamais ocorreu, Guilherme I iniciou, pela primeira vez em toda a história da humanidade, o censo do Domesday, com vistas ao recolhimento de impostos de forma pessoal, e não mais somente pelos senhores feudais e comerciantes. Embora tenha sido pequena, a taxação motivou revoltas isoladas, prontamente esmagadas pelo Conquistador.

No século XII, os filhos e netos de Guilherme I, construíram próximos a abadia, um salão real que rivalizava com os principais da Europa continental, o Westminster Hall, salão que passou a ser utilizado, então, para as reuniões do Witan ou conselho do Rei.

Com a coroação de Ricardo I, Coração-de-Leão, bisneto de Guilherme I, e sua ida após poucos meses de reinado para a terceira cruzada católica para libertação da Terra Santa dos sarracenos, o reino da Inglaterra ficou sob a regência do Chanceler Longchamp. O irmão mais novo de Ricardo, João Sem Terra, na partilha da herança de seu pai, Henrique II, herdou apenas poucas propriedades e foi proibido pelo rei de retornar a Inglaterra, para não comprometer a estabilidade do reino. Em função de seu rei estar indo à Terra Santa expulsar os infiéis, os seus súditos iniciaram (após mal entendido ocorrido durante a coroação de Ricardo I) forte perseguição aos judeus trazidos ao reino ainda durante a conquista, perseguição esta que se estenderia por mais de 100 anos, antes que fossem, por longos séculos, expulsos da Inglaterra. Porém no ano de 1191, João Sem Terra iniciou forte movimento, com o apoio da burguesia de Londres e de outros nobres, para afastar Longchamp e assumir o Trono da Inglaterra. Com a derrota deste em Londres, em novembro de 1191 João Sem Terra foi proclamado herdeiro do trono. Com a morte nas Cruzadas de Ricardo Coração-de-Leão, João, herdeiro do Trono, assumiu o governo, não sem antes haver matado o seu sobrinho (e real herdeiro do trono inglês, Arthur da Bretanha).

João Sem Terra foi péssimo governante, perdendo vastas porções de sua herança na França e arruinando o tesouro tão bem deixado por seu irmão. Além disto, também houve fortes atritos com o Papa, que colocou a Igreja da Inglaterra em interdição. Sendo assim, um forte grupo composto das principais famílias feudais e burguesas (especialmente da cidade de Londres) obrigou o rei a assinar, em 15/06/1215, a Magna Carta, primeiro documento em toda a história da humanidade a limitar de várias maneiras os poderes de um rei absoluto.

Após a morte de João I, seu filho, Henrique III, e seu neto Eduardo I reinaram longamente e em paz. Porém, além de terem herdado um reino com dificuldades financeiras, também mantiveram a perseguição (aliás, também feita em diversas outras regiões da Europa com aval da Igreja Católica) aos judeus, culminando com a sua total expulsão no ano de 1290. Com isso, perdeu a Inglaterra grande fortuna, agravando ainda mais as já combalidas finanças do Estado.

Eduardo I, o Leopardo, foi um grande rei para seu país. Regulamentou tudo, desde as medidas até as leis. Conquistou Gales e afastou o risco dos escoceses. Mas teve dificuldades para submeter a nobreza e a burguesia de Londres. Ardiloso e inteligente, instituiu "parlamentos" duas vezes ao ano em Westminster. Seu objetivo era contrabalançar o poder da nobreza, maioria no Witan, convocando o seu conselho de barões, mas também as outras partes que seriam afetadas pela sua decisão (cavaleiros menores, burgueses, comerciantes, clero), ou mesmo todos os representantes destas classes juntos. Esses parlamentos também eram testemunhas da Justiça Real, última instância de recursos jurídicos. Muitas leis e decisões eram tomadas apenas com seus conselheiros íntimos (ministros), mas decisões de maior importância eram tomadas no parlamento, ainda que convocado apenas por decisão pessoal do monarca. O Rei nomeava os representantes que desejava para o parlamento, sendo esse, no mais das vezes, dócil instrumento nas mãos do monarca.

Ao longo do tempo, principalmente durante o reinado de Eduardo III, neto de Eduardo I, o Parlamento se consolidou, tendo sido costume a assembléia se dividir em três grupos: o clero, o Rei e seus barões e os demais membros (também chamados de "comuns"). No final de seu longo reinado, Eduardo III, doente e fragilizado, necessitava desesperadamente de dinheiro após longa guerra contra a França (seu reinado ocorreu durante a Guerra dos Cem Anos). Aproveitando-se da fragilidade do rei doente, os representantes dos "comuns", quando de nova convocação para instituição de mais impostos, se negaram a aceitar, alegando mal versação do dinheiro público por alguns ministros. Alguns destes ministros, após longo impasse, sofreram "ampeschement" (no francês utilizado nas cortes ou "impeachment" no inglês popular) e assim foi possível cobrar os impostos, ainda que muito menores que os solicitados pelo Rei. Surgiram nesta fase a figura do "Speaker" dos Comuns e a prática do impeachment.

Com a morte de Eduardo III, seu filho Ricardo, menor de idade, ficou sob a tutela de seu tio John de Gaunt. Devido a nova guerra com a França, apoiada pela Escócia, apelou-se novamente ao expediente dos impostos individuais, com o agravante de ser uma taxa única para todos, ricos e pobres, e não como antigamente, de acordo com as posses. Apenas a situação agora era diferente. A peste negra havia feito vítimas 1/3 de toda a população, as colheitas dos últimos anos haviam sido ruins, em boa parte devido à falta de mão-de-obra e, estando os laços feudais de senhorio e vassalagem em rompimento em boa parte devido à diminuição da mão-de-obra, não mais haveria ajuda para o pagamento da taxa por parte de alguns senhores feudais. Coincidentemente, despontava a figura de John Wyclif, erudito professor da Universidade de Oxford. A despeito da crença geral de que foi com Martinho Lutero que se iniciou a luta contra os hábitos poucos religiosos da Igreja Católica – venda de indulgências e cargos eclesiásticos e outros – e que também foi aquele que fez a primeira tradução da Bíblia do latim para a linguagem popular de seu país, foi John Wyclif quem iniciou, em 1380, essa luta, vertendo a Bíblia para o inglês e combatendo em suas palestras o clero corrupto da Igreja. Sendo a Igreja da Inglaterra grande possuidora de terras (as estatísticas da época apontam para aproximadamente 1/3 do total de terras do país) e isenta dos impostos, as pregações de Wyclif associadas com a cobrança de impostos individualmente, de forma elevada e muito acima do razoável para uma classe camponesa empobrecida, estava preparado o terreno para uma revolta. A faísca para detonar a explosão não poderia ser mais prosaica: devido à alta sonegação do imposto individual, o conselho do Rei ordenou, em 1381, que os "sheriffs" ou coletores de impostos fizessem novas visitas, especialmente em Essex e East Anglia, principais pontos de sonegação. Isso desencadeou um levante de camponeses nestas duas regiões, rapidamente com a adesão do campesinato de outras áreas. Em poucas semanas tomaram de assalto grandes cidades na sua marcha em direção da capital, acampando nos arredores da cidade uma multidão calculada, na época, em aproximadamente 100.000 homens e mulheres. Após entrarem na cidade e iniciarem um saque e depredação de vários prédios e palácios, foram contidos pela autoridade de Ricardo II que, sem exército ou milícia, os dominou e dispersou, fazendo falsas promessas e iludindo a boa-fé de camponeses ignorantes.

Essa revolta de camponeses foi importantíssima para a confirmação das funções do Parlamento, não mais o Rei podendo prescindir de sua convocação (ou o convocando apenas quando desejasse) para a instituição de impostos ou outras decisões importantes para o reino.

Em 1603, com a morte de Elizabeth I, a Rainha Virgem, sem herdeiros nomeados ou na linha sucessória direta, assumiu o Trono da Inglaterra Jaime VI, rei da Escócia, com o nome de Jaime I. Sendo governante da Escócia já há vários anos e governando de forma autoritária e sem limites a seus poderes, Jaime I sempre teve uma relação conflituosa com o Parlamento. Ao contrário de todos os seus predecessores, desde Eduardo I, Jaime I não mais convocava o Parlamento em intervalos regulares ou o consultava ao tomar decisões de importância para o Reino ou algumas de suas classes principais. Sendo assim e tendo oferecido monopólios a vários nobres não tradicionais, viu insurgir-se contra si a nobreza tradicional e os comuns. Como não eram convocados, o Parlamento pôde usar de um estratagema que dispensava sua convocação: o impeachment. Nem isso demoveu o rei. Morto este e tendo sido sucedido por seu filho, Carlos I, não houve mudança na postura frente ao Parlamento. Porém, em 1629, sem conseguir lançar impostos e tendo sido lembrado por uma comissão parlamentar dos compromissos assumidos na sua coroação de seguir a Carta Magna, houve grave ruptura no país, aumentando a distensão entre partidários do Rei e partidários do Parlamento. Ao tentar impor aos presbiterianos da Escócia o culto anglicano, houve um levante naquele país. Para combatê-lo, o Rei necessitava de dinheiro. Para tal, necessitava convocar o Parlamento. Ao fazê-lo, Carlos I foi confrontado com uma série de exigências humilhantes por parte daquele, exigências essas que foram sendo aprovadas uma a uma. Ao tentar aprovar o impeachment do principal favorito do Rei, Lorde Strafford, o rei resistiu e mandou prender alguns líderes parlamentares. Houve forte resistência por parte dos comuns e as prisões não foram efetuadas. Assim, em alguns meses o Rei iniciou a formação de um exército baseado na cidade de York (o que contrariava as leis, já que não poderia manter o Rei exército sem a autorização do Parlamento), tendo o Parlamento, em nome do Rei, convocado tropas e formado exército baseado na cidade de Londres. E assim começou a guerra civil inglesa. Durante essa guerra o rei Carlos I foi decapitado e Oliver Cromwell assumiu o governo com o título de Lorde Protetor.

Durante o governo do Lorde Protetor, em conjunto com diversos Parlamentos sucessivos, o poder da Inglaterra sobre a Escócia, Gales e a Irlanda foi sedimentado, dando origem ao reino da Grã-Bretanha, assim como se formou um exército profissional e se alavancou o domínio marítimo da Grã-Bretanha, tornando-se esta a maior potência naval em muitos séculos. Com a morte de Cromwell, o declínio de seu filho em sucedê-lo e as fortes disputas entre o exército e o Parlamento sobre sucessão, Carlos II, vindo do exílio, assumiu compromisso com o Parlamento em convocá-lo periodicamente e manter exército fixo sob suas ordens e, assim, foi coroado Rei da Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda.

Carlos II era oficialmente o chefe da Igreja da Inglaterra, anglicana. Porém, em segredo, professava a fé católica, como sua esposa e seus filhos, todos ilegítimos, já que a rainha não teve filhos viáveis. Durante seu reinado, lenta e gradualmente, Carlos II tentou promover uma catolificação no seu reino, atenuando restrições aos católicos, aceitando colaboradores com essa fé, dificultando a vida dos huguenotes franceses refugiados na Inglaterra (Luís XIV havia revogado o Edito de Nantes alguns anos antes e vinha promovendo verdadeira caça aos huguenotes franceses). O Parlamento e a população aceitavam estas condições em virtude de o herdeiro do rei ser seu cunhado, Guilherme de Orange, governante dos Países Baixos, homem amado por seu povo e extremamente tolerante em matéria religiosa. Quando, por fim, o Rei proclamou ter nascido seu herdeiro em um quadro bastante duvidoso, já que até então todos os filhos do casal tinham sido abortados ou nascido inviáveis, houve revolta do Parlamento e da população porque essa criança, cuja filiação era bastante questionável (houve sugestões na época de que o Rei havia ordenado que fosse trazido o filho de um nobre católico para ser criado como príncipe), certamente seria criada como católica e isso era inadmissível. Convocado pelo Parlamento, Guilherme de Orange desembarcou na Inglaterra em 5/11/1688, iniciando sua marcha para Londres, enquanto o rei Carlos II fugia para o norte, sem o apoio do exército ou do povo. Declarado traidor, Carlos II foi destituído e Guilherme de Orange foi coroado Rei da Inglaterra, mas não sem antes ser obrigado a assinar o "Bill of Rights" se comprometendo a se submeter – e também seus descendentes – ao Parlamento, ficando o Rei com poucos poderes de representação, sem poder interferir em questões de Estado ou legais.

Guilherme de Orange, seu filho e seu neto governaram durante longos anos, porém jamais adquiriram fluência na língua de sua nova nação. Com isso, mais e mais o conselho de ministros ficou livre para governar, apenas submetendo ao Rei para seu aceite os documentos já debatidos e aprovados pelo Parlamento. Estava praticamente acabado o desenvolvimento do Parlamentarismo como o conhecemos hoje em dia.


Conclusão:

Através da exposição histórica pudemos avaliar que o desenvolvimento do parlamentarismo não foi um impulso inexorável e sequer obra de alguma geração ou pensamento temporário, mas o resultado final das aspirações de toda uma Nação ao longo de toda a sua história. Acreditamos que toda e qualquer tentativa de cópia do modelo inglês deva levar em conta as características próprias da Nação onde se deseja implementar, uma vez que não é possível se transplantar séculos de história e realizações de um povo para outro país de forma correta e mantendo-se aquele espírito. Observamos também que, com exceção talvez de uns poucos lugares onde ainda se faz a democracia direta, não há em todo o mundo maior exemplo de uma forma de governo mais democrática e eficaz, depurada ao longo de séculos pela experiência da tentativa e erro, forçando-nos a admirar ainda mais as realizações desta grande nação que é a Grã-Bretanha, em especial a Inglaterra.